Perder o vazio é empobrecer

Indo ao cinema nestas férias, observei que as pessoas costumam pular uma cadeira para sentarem. Se o cinema não estiver lotado, e elas puderem escolher a cadeira, quase sempre preferem não sentar ao lado de um desconhecido. Eu faço isso. Por qual razão? Não sei, talvez vergonha de me sentar ao lado de uma pessoa que nunca vi na vida. O mesmo ocorre no ônibus: são raras as ocasiões que vemos -quando o ônibus não está lotado, e há vários assentos disponíveis- alguém escolher um lugar ao lado de outro alguém nunca visto. Quanto mais isolado melhor. A verdade é que todos -todos mesmo- estamos acompanhados dessa cadeira vaga do ônibus. São os nossos vazios. Os dois exemplos anteriores foram apenas metáforas para algo um pouco mais profundo: as lacunas que criamos dentro de nós ao longo da vida. Mas isso não é motivo de tristeza: como eu disse, todos temos vazios. Todos vivenciamos experiências que de certa forma deixaram uma marca irreversível dentro de nós. Pode ser um relacionamento mal acabado, ou quem sabe um trauma de infância. Mas eles sempre estarão lá. Se assim não fosse, seríamos quase indiferenciados. Essas "imperfeições" na nossa alma nos fazem pessoas únicas. Nos tornam humanos. Muitas de nossas atitudes são influenciadas por essas "cicatrizes na alma". Quando deixamos de fazer algo por medo, ou quando vencemos um velho trauma, uma fobia. A superação é a forma que encontramos de encarar nossas marcas como parte de nós, e não como nossas inimigas, como invasoras. A superação transforma os vazios interiores em virtudes. São os adornos da alma.

Originalmente publicado em Relicários, dia 22 de Janeiro de 2008. Por Carla Miranda.